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Um dia para flanar em Paris...

 

Um dia para flanar em Paris...

:: Adília Belotti ::

Viagens colocam você fora de contexto. Existir numa outra paisagem subverte nossas coordenadas o bastante para nos tornar de novo as aparvalhadas, perplexas e agradecidas criaturas do início de todas as coisas...

 Paris é para ser vista através dos sabores e dos cheiros. Nesta primavera, a cidade cheira a bala, a "gourmandise". Barraquinhas de crepes soltam a todo minuto fornadas de aromas adocicados que lembram infância, fogão quente, café, lanches da tarde...

 Se tivesse que fazer um guia "Toques de Alma" para passar um dia em Paris, com certeza teria que começar com um café com croissant e manteiga, sentada no cais do Sena da Igreja de Notre Dame que surgiria, pálida, por trás da xícara quente, contra um céu azul aguado e árvores de folhas frescas. Mas seria óbvio.

 Menos óbvia é Saint Sulpice, na rua que leva o mesmo nome, metrô idem. E também tem um café, bem na frente. Algumas igrejas são tão perfeitamente construídas que hoje são lugares onde se vai para ouvir música, de tal qualidade é o som que passeia por entre as colunas e arcos anônimos, fiéis e atentos... torça para ter sorte e você vai chegar lá justo na hora de algum concerto!

 Logo ali ao lado, na Place Saint Sulpice, número 8 - ou 8, Place de Saint Sulpice, como costumam registrar todos os endereços os franceses - fica a Maison Thuillier, La Pastorale, uma lojinha minúscula, mas que tem a maior coleção de "santons", aquelas figurinhas de argila nascidas na região da Provence na França e que animam os presépios franceses. Essas são do mestre Marcel Carbonel. São infindáveis personagens, folclóricos, nascidos das tradições dos camponeses nas várias regiões da França: o prefeito, a vendedora de flores, o jovem caçador, o casal de noivos, o casal de velhos sentadinhos no banco, o músico, a cigana, o camelo dos reis magos, as ovelhas, o burrico carregado de frutas, a jovem padeira, o homem com a lanterna tentando enxergar o caráter que os homens escondem na sombra... Todos vindo ver o Menino Deus recém-nascido. E para aqueles que eventualmente arranjem razão para criticar o aspecto pouquíssimo ortodoxo da cena, uma lembrança: naquela noite mágica, cabem todos os seres, os próximos e os distantes, os que estavam nos capôs e seguiram as estrelas, os que estavam por perto e vieram "dar uma espiadinha", animais e frutos da terra...

 Os rios acompanham as cidades, são parceiros. Viajar é navegar nestes rios, enquanto a gente tenta se tornar parte, respirar o ar e receber o céu. Paris recuperou o seu rio, e, além daqueles tradicionais "bateaux mouches", turísticos, com direito a guias tentando animar você, colocou barcos-ônibus, os "bateau bus", que simplesmente levam pessoas de um lado para o outro, sem explicações, em paz para saborear as tardes lindas de primavera! Basta chegar na beira do cais, tem anúncios do serviço por toda parte.

 Viajar na Europa, em geral, é entender a dimensão de algumas palavras briguentas, "cidadania", "pátria", "país". De certa forma, e porque estão tão mais colados na vida uns dos outros, eles por aqui estão bem mais preocupados com estas questões. Diferenças e igualdades são percepções que precisam ser reconstruídas, refinadas, redesenhadas na cabeça e no coração dos homens. E o mais novo museu de Paris, o Quay Branly, que também é a mais nova criação do arquiteto Jean Nouvel, autor do projeto do Institut du Monde Arabe e da Fondation Cartier pour l’Art Contemporain, ambos considerados polêmicos, transgressores, mas extraordinariamente, ao menos do ponto de vista da autora deste texto, belos...

 A idéia aqui é apresentar objetos e artefatos vindos dos rincões não-ocidentais do planeta, África, Oceania, Ásia e Américas, através de múltiplos olhares. No Quay Branly, o olhar etnográfico convive com o olhar do artista. Quando é que um produto cultural vira obra de arte? E as salas do Quay Branly, de pés direitos altos como os dos templos, parecem responder: sempre. E aí você percebe quão longe está das estantes com jeito de laboratório atulhadas de bizarrices e aberrações de povos ditos "primitivos" dos museus tradicionais. Aqui é o lugar onde o viver vira arte. É no cotidiano, nos objetos sagrados, na música e no canto, na cozinha e no enfeitar-se que os seres humanos expressam sua criatividade e encontram sua graça e seu encanto.

 Por fora, o museu parece brincar de Lego com a cidade. Cubos em tons de terra saem abruptamente das fachadas e uma gigantesca parede-jardim, viva, orgânica, selvagem, acolhe 15 mil espécies vegetais vindas do Japão, da China, da América e da Europa Central. Provoca vertigens: "afinal, quem disse que terra acontece só no chão?" A terra, amigos, caminha no céu...Para experimentar o museu, navegue pelo site oficial.

 Imagino que só numa terra onde comer é uma experiência muito terrena e sensual, de um lado, e muito sofisticada e rebuscada, de outro, um fabricante de chocolates se definiria como: Michel RICHART, le créateur d'émotions gustatives, ou seja, "Michel Richart, criador de emoções gustativas". A indicação da Chocolateria do Mestre Richart como sendo o santuário do "melhor chocolate do mundo" foi da Tania, mulher do Arnaldo, que passou para Flávia, que passou para mim, valeu cada centímetro da caminhada até o número 258 do Boulevard Saint Germain. Descobri que chocolates são, sim, emoções, para se viver de olhos fechados...Clique aqui para navegar pelo site do Mestre do Chocolate.

 Volto para o hotel, com a memória do chocolate com recheio de cassis na alma... adoro me sentir turista, colecionadora de cliques, de memórias, de cheiros, sabores, cores e histórias para compartilhar na volta.

Flanar: andar ociosamente, sem rumo nem sentido certo; flanear, flainar, perambular.

http://ceuespiritualismo.com.br/